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Rio Verde, 15 anos de resistência às hidrelétricas

No México, a instalação de hidrelétricas é acompanhada por graves violações dos direitos humanos de milhares de povos indígenas e comunidades camponesas. Deslocamentos forçados, pouca ou nenhuma compensação, deslocamentos inadequados em áreas impróprias para o cultivo, ruptura de organizações comunitárias e mesmo perda de vidas humanas, são apenas alguns dos efeitos causados ​​por estas iniciativas, principalmente privadas, que são realizadas com o apoio do governo.

Este problema está longe de terminar, já que novos projetos hidrelétricos surgem ameaçando a subsistência e a qualidade de vida de milhares de famílias mexicanas, como é o caso da empresa ENERSI S.A. de C.V que pretende barrar o Rio Verde no município de Santa Cruz Zenxontepec, no estado de Oaxaca.

Foto 1: vista da cidade de Paso de la Reina em Oaxaca e a bacia do Rio Verde ao fundo. Fonte: COPUDEVER.

Em 20 de janeiro de 2020, o presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, afirmou durante sua conferência matinal que “não serão construídas novas barragens, a barragem Paso de la Reina não será construída em Oaxaca”. Porém, apenas um mês depois, o estudo de impacto ambiental desse mesmo empreendimento hidrelétrico foi publicado no Diário Ecológico do Ministério do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (SEMARNAT),  que é uma das secretarias de Estado que compõem o referido gabinete da Presidência do México. Segundo esta secretaria, a empresa propõe a instalação e exploração de uma central hidroelétrica com potência de 17,9 MW, a partir do desvio de 158,77 m3 / s da água que corre no rio Verde.

De acordo com a denúncia apresentada pelo Conselho dos Povos Unidos para a Defesa do Rio Verde (COPUDEVER) em 8 de março de 2020, um helicóptero da Comissão Federal de Eletricidade (CFE) sobrevoou de Pinotepa Nacional a Corral de Piedra e San Lucas Atoyaquillo. Para a comunidade, esse fato estaria relacionado ao projeto e seria uma ação intimidadora.

 

Antecedentes e origem do COPUDEVER

As ameaças ao Rio Verde e às formas de vida na bacia começaram há cerca de 15 anos. O processo de organização comunitária regional teve início em 2006, com o objetivo de resistir à intenção do Governo Federal, por meio da Comissão Federal de Eletricidade, de construir barragens para a geração de energia elétrica. Um ano depois, COPUDEVER é formado e a partir daí a luta continua. De acordo com esta organização, pelo menos 6 projetos hidrelétricos estão previstos na bacia hidrográfica localizada nos municípios de Santiago Jamiltepec, Santa Cruz Itundujia, Santiago Ixtayutla, Santa Cruz Zenzontepec, Tataltepec de Valdés e Tututepec. Se todas essas barragens fossem construídas, os efeitos seriam devastadores e significaria a morte da bacia, dos ecossistemas e da vida das pessoas.

Em julho de 2018, a comunidade conseguiu interromper os projetos de infraestrutura no Rio Verde por meio de uma liminar (701/2018) concedida pela Primeira Vara Distrital do Estado de Oaxaca ao Ejido de Paso de la Reina. No entanto, SEMARNAT e a Comissão Nacional de Água entraram com um recurso de revisão contra a decisão do juiz. As comunidades entenderam essa ação como uma “barganha” de seus direitos por parte do governo, favorecendo as empresas.

Outra tentativa de realizar essa barragem ocorreu em 2019, quando essa mesma empresa apresentou o estudo pela primeira vez. Em agosto, os povos indígenas Chatino e Mixteco se manifestaram contra o projeto pelos graves efeitos que ele teria em suas vidas e no ecossistema da região.

“Ao longo de nossas vidas como Povos, vivemos juntos, cuidamos e defendemos o Rio Verde porque é a mãe de nossas águas e representa a fonte da vida na Bacia e nos territórios Mixtecas, Chatinos e Afro-mexicanos”, expressaram em sua declaração pública, comunidades que pertencem à Sierra Sur e à Costa de Oaxaca. Em 29 de novembro do mesmo ano, o projeto foi rejeitado pela SEMARNAT por inconsistências, conforme divulgado pela COPUDEVER em seu site oficial.

Mapa 1: Bacia Hidrográfica do Rio Verde em Oaxaca, México. Fonte: Universidade do Colorado

O Río Verde nasce nos Vales Centrais das montanhas de Oaxaca para desaguar nas lagoas Chacahua. Os Mixtecas Yutya Cuy e os Chatino Stäitya Taná consideram este rio como “a mãe das nossas águas”. São essas águas que dão vida a toda a população da região, permitindo-lhes crescer com alimentação saudável e sustento para suas famílias.

 

Efeitos do deslocamento forçado

A instalação de grandes projetos hidrelétricos no México envolveu o deslocamento de milhares de famílias. Segundo a COPUDEVER, a forma de atuação dos responsáveis ​​por essas iniciativas é visitar cada família individualmente para obrigá-la a ceder suas terras, com promessas de realocação e indenizações que posteriormente não são cumpridas. Eles afirmam que as consultas não são feitas por meio de assembleias.

Segundo um dos depoimentos coletados pelo Movimento dos Atingidos por Barragens e em Defesa dos Rios (MAPDER), os encarregados de “convencer” os assentados a concordarem com a venda de suas terras até ameaçaram matá-los. “Eu disse a ele que o terreno não estava sendo vendido. E você sabe o que ele respondeu? Que, se o terreno não fosse vendido, o dono do terreno desapareceria e a viúva a venderia, diz o morador ameaçado de despejo pela barragem de El Naranjal.

O deslocamento forçado é uma violação multidimensional dos direitos humanos que impacta os direitos de um grupo de pessoas que são forçadas a deixar o local em que vivem, deixando para trás – entre outras coisas – seus pertences e redes de apoio, e se mudando para um espaço em condições deploráveis ​​- na maioria das vezes – para salvar sua integridade pessoal (SÁNCHEZ-GARZOLI, 2016).

Foto 2: Os aldeões colhem mamão cultivado com sistema de irrigação do Río Verde. Fonte: COPUDEVER.

A maioria das populações deslocadas dedica-se à agricultura e pecuária. Essas atividades proporcionaram-lhes não apenas recursos financeiros, mas também sua própria segurança alimentar. Como seus meios de subsistência são afetados, muitas dessas famílias estão espalhadas e acabam na pobreza nas periferias das grandes cidades. A pobreza é uma das principais consequências do deslocamento forçado. Essas famílias não têm acesso a alimentação adequada, terra, comunidade e compensação decente.

Escrito por Clara Lorena Páez e Laisa Massarenti Hosoya

Referências

COMUNICACIÓN MAPDER. (2012, 3 noviembre). ¿Como terminar una comunidad de 140 años en 15 días? [Vídeo]. YouTube. https://www.youtube.com/watch?v=8wTDRN9e1EE&feature=emb_title

COPERACHA. (2019, 8 mayo). Río Verde, Oaxaca, diez años de resistencia de un pueblo. La Coperacha. https://lacoperacha.org.mx/rio-verde-oaxaca-diez-anios-resistencia/

COPUDEVER. (2020, 17 marzo). Un nuevo proyecto hidroeléctrico amenaza al río Verde en Oaxaca: Copudever. Paso de la Reina. http://pasodelareina.org/2020/03/17/un-nuevo-proyecto-hidroelectrico-amenaza-al-rio-verde-en-oaxaca-copudever/

EDUCA. (2019, 1 octubre). Pronunciamiento público de los pueblos chatino y mixteco de la Costa y Sierra Sur de Oaxaca ante nueva hidroeléctrica. Educa Oaxaca. https://www.educaoaxaca.org/pronunciamiento-publico-de-los-pueblos-chatino-y-mixteco-de-la-costa-y-sierra-sur-de-oaxaca-ante-nueva-hidroelectrica/?idU=

MACÍAS, L. P., GARIBAY, J. O. P., & JÍMENEZ, S. P. (2019). Análisis de desplazamientos por presas en México (2006-2016). Colectivo Geocomunes. https://tbinternet.ohchr.org/Treaties/CESCR/Shared%20Documents/MEX/INT_CESCR_CSS_MEX_28754_S.pdf

SÁNCHEZ-GARZOLI, G. (2016). Desplazamiento interno en Colombia: características y consideraciones hacia un escenario de post-conflicto. Dfensor, 4, 12-20. https://cdhcm.org.mx/wp-content/uploads/2014/05/dfensor_04_2016.pdf

SEMARNAT. Resolución Oficio No. SGPA/DGIRA/DG/ 9452 (2019) Rechazo del Proyecto de la empresa Generación Enersi S.A. de C.V. 29 de noviembre de 2019. Disponible en: https://apps1.semarnat.gob.mx:8443/dgiraDocs/documentos/oax/resolutivos/2019/20OA2019E0025.pdf

SOTO, G. C. (2007, marzo). El agua y los ríos amenazados en México. MAPDER. http://www.nacionmulticultural.unam.mx/mezinal/docs/108.pdf