Considerada uma das maiores geradoras de energia do planeta, a usina hidrelétrica binacional de Itaipu, localizada entre Brasil e Paraguai foi construída entre 1975 e 1982 (momento em que ambos países viviam a era da ditadura militar).A usina hidrelétrica binacional de Itaipu apresenta-se como “um modelo de empresa sustentável”, ocorre que, além de gerar ampla degradação ambiental e de ter afetado todo o ecossistema da região sua construção impactou e continua a afetar a vida do povo indígena Avá-Guarani que ali vive.
Breve contexto histórico da construção da usina e como ela afetou o povo Guarani
Em 1973 foi assinado o Tratado de Itaipu e nesse ano o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) tomou a maior parte das terras da aldeia Ocoy- Jacutinga (território Guarani) com intuito de reassentar colonos que foram retirados de suas casas devido a criação do Parque Nacional do Iguaçu (localizado entre Brasil e Argentina). Por tratar-se de uma área de conservação ambiental integral o governo brasileiro não admite a presença humana, ou seja, povos indígenas e colonos foram retirados da área onde se localiza o parque.
Em 1974 iniciaram-se os trabalhos de construção da Usina. Em 1982 o restante da aldeia Ocoy-Jacutinga foi alagada com a finalização da construção da Usina de Itaipu afetando as famílias que viviam nas margens do rio Paraná e em seu entorno. O relatório fornecido pela Comissão Yvyrupá (2017) informa que foram inundadas por Itaipu em torno de 47 ocupações, 9 aldeias do lado brasileiro e 38 do lado paraguaio (COMISSÃO YVYRUPÁ, 2017). A criação de Itaipu impôs também a separação de famílias que antes circulavam pelo rio e podiam ir do Brasil para o Paraguai livremente.
Mapa 1: Região das aldeias Avá- Guarani em 1981 e em contraste mapa de 2014 com as áreas alagadas pela construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu
Fonte: MAMED, LEMOS E ROSSITO, (2016).
Depois de pressões contra Itaipu, foi oferecido provisoriamente aos Guarani uma estreita faixa de terra na região de Santa Rosa do Ocoi, no município de São Miguel do Iguaçu (PR). Hoje são 170 famílias, mais de 800 pessoas vivendo em uma área com 231.887 hectares, cercadas por propriedades rurais voltadas ao agro- negócio.
As violações de direitos territoriais consequentemente levam a violação de outros direitos e gera tensões dentro do território. Segundo dados do Relatório do Ministério Público da União (ESMPU,2019), a ideia divulgada por Itaipu de que na região não havia a presença do povo Guarani, que eles são oriundos do Paraguai e Argentina gerou uma “inexistência construída” (ESMPU, 2019), que gera prejuízos até hoje.
Mapa 2: identificação da Aldeia Tekoha Ocoy – Estreita faixa, contornada em vermelho, entre o lago de Itaipu e a lavoura do agronegócio.
Fonte: Hosoya, (2020).
Na região poucas são as aldeias reconhecidas pelo governo do Brasil, apenas 3 estão em situação “legal” sendo elas Ocoy, localizada próximo a cidade de São Miguel do Iguaçu, Añetete e Itamarã próximo a cidade de Diamante d’Oeste.
Existem mais aldeias ou Tekoha[1] que estão em situação de “ocupação” ou de “acampamento”,ou seja, que possuem processos judiciais de reintegração de posse e sofrem com a pressão da sociedade local, segundo dados do Ministério Público da União (ESMPU, 2019).
São 10 Tekohaoriundas do território tradicional Tekoha Guasu-Ocoy- Jacutinga e mais 14 Tekoha oriundas do Tekoha Guasu Guavirá. Do lado paraguaio a questão Guarani não foi solucionada até hoje.
[1] Tekoha pode ser traduzida como território ou lugar.
Fonte: Hosoya, (2020).
Para entender mais sobre o tema, no link é possível fazer o download do livro “Avá- Guarani: a construção de Itaipu e os direitos territoriais” de 2019, fruto do trabalho de investigação e pesquisa de um grupo interdisciplinar do Ministério Público Federal do Brasil que analisou o caso desde o passado até o presente. Esse trabalho gerou dois relatórios: o primeiro possuiu uma abordagem antropológica do tema e o segundo avalia as possíveis consequências jurídicas dos danos causados aos Guarani e as possíveis forma de reparação. Esse material foi compartilhado com as lideranças Guarani em maio de 2019 na aldeia Ocoy. No Brasil as questões territoriais indígenas são casos complexos uma vez que ainda que reconhecido constitucionalmente “o direito originário sobre a terras que tradicionalmente ocupam” (BRASIL, 1988), a efetivação dos direitos coletivos está longe de acontecer. A luta do povo Avá- Guarani continua, assim como a dos demais povos indígenas no Brasil.
Fonte: Hosoya, (2020).
Escrito por Laisa Massarenti Hosoya e Clara Lorena Páez.
Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, 1988. Disponivel em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 04 jan.2021.
ESMPU, A. G. K. et al. Avá- Guarani: a construção de Itaipu e os direitos territoriais. 1a. ed. Brasília: ESMPU, 2019.
HOSOYA, L. M. Os desafios da comunidade do Tekoha Ocoy no enfrentamento e prevenção da violência de gênero e doméstica. Dissertação (Mestrado em Políticas Públicas e Desenvolvimento)- Universidade Federal da Integração Latino- Americana, Instituto Latino – Americano de Economia, Sociedade e Política. Foz do Iguaçu,p.126.2020.
MAMED, D.O.; LEMOS, A.; ROSSITO, F. D. Impactos Sociais da Implementação da Usina de Itaipu. In: MAMED, D. D. O.; CALEIRO, M. M.; BERGOLD, R. C. Os Avá-guarani no oeste do Paraná (re) existência em Tekoha Guasu Guavira. [S.l.]: Letra da Lei, 2016. p. 432.
YVYRUPÁ, C. Guaíra e Terra Roxa: relatório sobre violações de direitos humanos contra os Avá- Guarani do este do Paraná. Yvyrupá e CTI. [S.l.]. 2017.